29 de março de 2024

Bolsonaro entra com ação no STF para proibir corte de abrir inquérito sem aval do Ministério Público

O governo Jair Bolsonaro entrou com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) em que pede que seja anulado o artigo do regimento interno da corte que permite a instauração de inquérito de ofício, ou seja, sem pedido do Ministério Público.

O processo foi apresentado pela AGU (Advocacia-Geral da União), órgão que faz a defesa judicial do governo.

A ação é uma reação do chefe do Executivo contra as recentes decisões do Supremo e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para investigar a conduta de Bolsonaro por, sem provas, acusar o sistema eletrônico de votação de fraude.

O primeiro inquérito de ofício aberto pelo Supremo foi o das fake news, em 2019.

A investigação foi instaurada por ordem do então presidente da corte, Dias Toffoli. A medida foi amplamente criticada, pois a Constituição estabelece que investigações dependem de uma solicitação nesse sentido do Ministério Público.

Além disso, também foi contestado o fato de o ministro Alexandre de Moraes ter sido designado relator do caso, sem que houvesse sorteio para distribuição do processo, como ocorre geralmente.

Apesar das críticas iniciais, no entanto, a disseminação de notícias fraudulentas por pessoas próximas de Bolsonaro e a elevação da tensão na relação entre os Poderes levou o Supremo a se unir em favor do inquérito.

O plenário da corte somente referendou a instauração da investigação mais de um ano depois que ela foi aberta por decisão individual de Toffoli.

Mais recentemente, no início deste mês, após Bolsonaro insistir nos ataques às urnas eletrônicas, o TSE tomou uma decisão similar e também instaurou um inquérito de ofício, desta vez para apurar especificamente as acusações sem provas feitas pelo presidente contra a Justiça Eleitoral.

Na tarde desta quinta, Bolsonaro teve uma reunião com o advogado-geral da União, Bruno Bianco, no Palácio do Planalto.

A ofensiva judicial é mais um capítulo da crise institucional entre o Planalto e a cúpula do Judiciário. Além de questionar a segurança das eleições, Bolsonaro tem atacado Moraes e Luís Roberto Barroso, também do STF.

No fim de semana, Bolsonaro chegou a anunciar no Twitter que iria ao Senado para protocolar pedidos de impeachment contra os dois magistrados. Até o momento, ele não cumpriu a promessa.
Recentemente, Moraes determinou a prisão do ex-deputado Roberto Jefferson sem aval da PGR (Procuradoria-Geral da República).

Antes disso, o magistrado também autorizou, sem pedido da PGR nesse sentido, mandados de busca e apreensão solicitados pela Polícia Federal contra o ex-ministro Ricardo Salles.

Na ação desta quinta, a AGU critica a adoção de medidas sem participação da Procuradoria.
“Embora autoridades policiais tenham prerrogativa de requerer diligências para a colheita de elementos de convicção sobre a materialidade e autoria de um fato criminoso, somente o Ministério Público detém a prerrogativa de demandar a decretação das medidas eminentemente investigatórias que demandam autorização judicia”, afirma.

Na argumentação, a ação assinada por Bolsonaro e por Bianco também acusa o STF de omissão.
“Afinal, há violação persistente e difusa de direitos fundamentais dos acusados, há uma omissão do Supremo Tribunal Federal em neutralizar os atos destoantes dos preceitos fundamentais e há um claro bloqueio institucional para o aperfeiçoamento da temática, já que alteração regimental é dependente da iniciativa da Suprema Corte, razão pela qual somente ela pode reparar as violações constitucionais em andamento”, dizem.

Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, o STF tem adotado medidas heterodoxas e atropelado a PGR na tentativa de conter o avanço bolsonarista contra as instituições. As decisões da corte ajudaram a reduzir a disseminação de fake news e de ataques à democracia nas redes sociais.

Por outro lado, especialistas temem que a atuação do Supremo com ações à margem das regras habituais gere um precedente perigoso à democracia. Um dos riscos apontado trata das consequências que podem provocar os embates com o procurador-geral, Augusto Aras.

“Não se pode abrir um processo contra o presidente da República sem ouvir o Ministério Público, isso é ditadura”, afirmou Bolsonaro nesta quinta-feira em Cuiabá, onde desembarcou pela manhã para participar da entrega de equipamentos agrícolas para comunidades indígenas.

O STF analisa atualmente cinco inquéritos que miram Bolsonaro, seus filhos ou apoiadores na área criminal. Já no TSE tramitam outras duas apurações que envolvem o chefe do Executivo.

Apesar de a maioria estar em curso há mais de um ano, essas investigações foram impulsionadas nos últimos dias após a escalada nos ataques golpistas do chefe do Executivo a ministros das duas cortes e a uma série de acusações sem provas de fraude nas eleições.

Na apuração mais recente, determinada na semana passada pelo ministro do Supremo Alexandre de Moraes, o mandatário será investigado por suposto vazamento de informações sigilosas de inquérito da Polícia Federal instaurado em 2018 para averiguar invasão hacker a sistemas eletrônicos da Justiça Eleitoral. A apuração foi proposta pelo TSE.

Na sequência de atos das últimas semanas, Moraes determinou a retomada da apuração sobre a suposta interferência do presidente no comando da PF, um inquérito que estava parado havia quase um ano. O ministro é o relator da maioria dos casos em tramitação no Supremo.

RELEMBRE DERROTAS DE BOLSONARO NO SUPREMO

Em 2021

CPI da Covid (8.abr)
O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, manda o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), instalar uma CPI da pandemia da Covid-19. Barroso afirmou que estão presentes os requisitos necessários para abertura da comissão e que o chefe do Senado não pode se omitir em relação a isso

Veto a cultos e missas na pandemia (8.abr)
O plenário do Supremo manteve por 9 votos a 2 a decisão do ministro Gilmar Mendes de permitir que estados e municípios proíbam a realização de celebrações religiosas presenciais como forma de conter o avanço da pandemia

Medidas restritivas de combate à Covid (23.mar)
O ministro Marco Aurélio rejeitou a ação em que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pede que o STF derrube decretos estaduais que restringiram a locomoção da população como forma de conter o avanço da Covid-19

Em 2020

Isolamento social (24.mar)
O ministro Marco Aurélio atende, em parte, uma ação do PDT e afirma que, apesar de medida provisória do governo exigir aval de agências reguladoras federais para o fechamento de divisas, estados e municípios têm competência para editar medidas de saúde contra o novo coronavírus. Assim, manteve a legalidade de todos os decretos pelo país que impuseram o restrições sobre a circulação da população

Proibição de campanha (31.mar)
O ministro Luís Roberto Barroso, do STF, veta a circulação da campanha “O Brasil não pode parar”, do governo federal, que estimulava a volta à normalidade

Autonomia dos estados e municípios (15.abr)
O STF decide por unanimidade que estados e municípios têm autonomia para determinar o isolamento social em meio à pandemia do coronavírus

Nomeação suspensa (29.abr)
Bolsonaro desiste de indicação para o comando da Polícia Federal após Alexandre de Moraes, ministro do STF, atender a um pedido do PDT e suspender a nomeação de Alexandre Ramagem. O partido havia entrado com um mandado de segurança na corte alegando “abuso de poder por desvio de finalidade” com a nomeação do delegado para a PF

Lei de Acesso à Informação (30.abr)
O STF derruba medida provisória editada pelo governo Bolsonaro que restringia a LAI. O decreto havia suspendido prazos de pedidos de informações a órgãos públicos nos casos em que o setor demandado estivesse “prioritariamente envolvido com as medidas de enfrentamento” à doença

MP para proteger agentes públicos (21.mai)
O tribunal decidiu que a medida provisória de Bolsonaro para proteger agentes públicos de responsabilização durante a pandemia não pode servir para blindar atos administrativos contrários a recomendações médicas e científicas

Divulgação de dados da pandemia (9.jun)
Alexandre de Moraes mandou o governo retomar a divulgação na íntegra dos dados acumulados de mortes e casos de Covid-19 no site do Ministério da Saúde.